quarta-feira, 4 de julho de 2012

Alforria sentimental


Deixei que as pessoas que estavam indo embora levassem de mim um pedaço e era disso que eu sentia falta, nada mais. Sempre ouvi a ladainha de que ninguém precisa do outro para viver e não entendia porque eu fazia errado, até me dar conta disso. Sempre me permiti demais. Doação e entrega total são meus sobrenomes, até eu descobrir que deveria existir um outro além deles: independência. Estou deixando, com o auxílio de um tratamento intenso e fortes doses de realidade, de me jogar de cabeça na coisas, sem o mínimo de garantia. Não é mais para me enquadrar no perfil dos desapegados, que eu sempre admirei muito, mas por não aguentar mais escoriações na alma e no coração. A gente cansa de ser profundidade quando a vida só nos oferece a superfície. Seriam frequentes os tombos se eu não aprendesse a me policiar. É uma atitude brusca e confesso que tem exigido um esforço físico, psicológico e sentimental intenso, mas me conforta a certeza de que é o custo da maturidade. Exijo mais cautela com o manuseio dos meus sentimentos e procuro, dentro do possível e beirando o impossível, não me doar tanto de olhos vendados. Se já deixei que levassem muito de mim, há um tempo atrás, não permito mais. Coloquei trancas no meu coração e procurei limpar meus olhos. Um coração sadio não é sinônimo de espaço vazio, mas espelho de cura interna. Quando a gente não permite, o outro não vem para fazer algazarra. Se vem, não entra. Mas, se por malabarismo ou habilidade mundana ousar invadir, não leva nada que é meu, tampouco o que há de mais valioso: o meu eu. Eu sempre soube da data em que libertaram os escravos, mas precisava inventar uma para libertar meu coração. E, de hoje em diante, todos os dias comemorar tal libertação. Eu já sabia que tinha asas, só me restava aprender a voar.

(M.C.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário